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Agridoce

Um mundo à tua medida!

A vida dos outros da minha varanda

02.10.18, Mafalda

Às vezes ponho-me à varanda, com o frio da noite a bater-me na cara ou os primeiros raios do sol a aquecer-me a alma, com a chávena de café e a manta no regaço e vejo as pessoas a passar.

Pessoas que passam de forma tão apressada e absorta na sua própria vida que não dão por mim, rapazes com as mochilas às costas e de auscultadores no ouvido. Pais, mães e avós atarefados com tudo e com nada e meninas com lacinhos no topo do cabelo que saltitam pela rua fora com a felicidade por uma mão e a mãe pela outra.

Pessoas cujas vidas davam um filme, que podiam ser as protagonistas de um livro se só por uma fração de segundo as olhassemos de perto. 

Às vezes ponho-me à varanda, com o meu caderninho vermelho equilibrado numa perna e a chávena de café na outra e imagino a vida de cada uma deles.

Dos meninos que passam tão normalmente com os auscultadores nos ouvidos e um ar despreocupado mas que passaram a noite na cama a chorar por causa de uma rapariga que lhes partiu o coração e o ego frágil e os transformou numa versão de rapaz pouco parecida com eles próprios.

Dos pais, das mães, dos avós que passam num carro vermelho desbotado, nos seus olhos a preocupação de quem dormiu pouco o dia anterior porque as contas estão para pagar na mesa da cozinha e os seus três trabalhos não chegam para sustentar a casa.

Das meninas com lacinhos no cabelo, que pensa que a vida é feita de alegria e felicidade e nunca viu dor na vida mas que um dia serão magoadas por rapazes como aquele que passam com os auscultadores porque inocentemente pensaram que a maneira de curar um coração partido é partir o delas. Das meninas que levam a mãe pela mão como se adivinhassem que um dia vão ter de lhe limpar as lágrimas que escorrem enquanto ela está sentada na mesa da cozinha, a olhar para as contas e a fazer contas à vida que por essa altura devia ser muito melhor.

Da minha varanda vejo as rachas na vida dos outros, vejo a dor, vejo a forma como todos são conectados por uma linha tão tenue que às vezes parece nem existir mas que está lá a cada momento.

Da minha varanda vejo todos os finais felizes que ficaram por acontecer. Mas também vejo os que acontecem todos os dias, a senhora que pega no telemóvel e chora de alegria ao saber que vai ser avó, o rapaz que sabe que conseguiu a bolsa para ir estudar para fora e a mulher que é pedida em casamento.

Às vezes ponho-me à varanda, com o meu caderninho vermelho equilibrado numa perna e a chávena de café na outra, e imagino a vida de cada um deles que passam demasiado apressadamente para reparar em mim.

Às vezes olho para a vida dos outros pela minha varanda e pergunto-me se nos momentos em que estou no meu mundo de sonhos alguém parou a olhar para mim e imaginou a minha. 

A verdade é que nunca saberei mas é por isso que a vida é para ser vivida e não imaginada, é quando saio da varanda e paro de imaginar a vida dos outros que percebo que é tempo de viver a minha e dar a mim mesma um final feliz.

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